24 de maio de 2013

Podia ser rosa a fina superfície
muito aguda e delicada
e parecia querer fender
a ponta do dedo a cada toque
como quem convida o sangue a jorrar
era quase irritante a insinuação
fria metálica infeliz linear
atraindo o dedo como um abismo

ao seu redor o vazio das horas
sem cor nem gosto ou cheiro
e o amadeirado querendo ser liso
mas variando ao toque
como a pele das árvores
passada a ferro e encerada
pequenas reentrâncias e defeitos
delicados defeitos porosos
que talvez fossem azuis

Não
hoje era o dia do rosa
decididamente era madeira
uma lâmina
numa mesa
e essa era rosa

22 de maio de 2013

POEMA DO DRIBLE À NELSON RODRIGUES

(para ser lido a modos de José Wilker)



amavam-se quase sempre muito

brigaram de novo
desta vez definitivamente
ela não queria mais ser aviltada
ele não queria o fantasma
dos outros homens rondando
nada do que ele fazia dava certo
ela não era mais tão divertida 

e implicava com o futebol aos domingos
já tinha pensado em por veneno
no café da manhã que ele lia
junto com aquele jornal reacionário

e ele nem olhava o que estava comendo
mesmo
já tinha consultado aquela estudante
gostosa de direito sobre pensão
e essas coisas para ver se ela caia 

no papo de pre divorciado 
e nada
começou dizendo que queria 

discutir a relação civilizadamente
ligou a TV para dar a entender
que não gostava da ideia
entrou falando na frente
sem saber o que fazia
agarrou com força o pulso
se contorceu e deu um empurrão
tentando se livrar da brutalidade
para não cair agarrou a cintura
a derrubou imobilizando-a no colo
já ia gritar e esperneava incrédula
sacudindo-se contorcendo-se a saia voando
levantou a mão livre para bater com raiva
nas nádegas aparentes
 


ah deixa para lá
que futebol que nada

19 de maio de 2013

Prepara o momento final
Com uma música um samba
Triste ou lindo desses que fazem
A vida vibrar de desejo da beleza
E que trazem a tristeza de se saber finito
Terreno pequeno um engano da centelha
Que é viver
Corra por dentro de si pra cima
e pra todo lado
procurando a saída
grite embriagado com as notas
e os sons trazendo mais vida
do que é possível suportar
mais alegria elétrica e devastadora
do que é possível amar
então sinta-se murchando
de felicidade numa agonia
do que é belo e perfeito
do êxtase sem fim de se sentir poesia
e não ter mais do que você para contê-la
desligue o som antes de desistir
vá dormir

1 de maio de 2013

Foi aos píncaros na lingua dela

E retornou suave como a noite

Descendo da lua pelas cordas vocais

Escorrida em mel e se dissolvendo

Até se transformar em duas e saber

Que a felicidade podia ser dividida