30 de agosto de 2013

Diários da danação I


hoje o suicídio
deixou os lençóis intactos
não dormiu em casa comigo
deve ter saído de bar em bar
procurando vítimas sem potencial

é prematuro dizer que a cura
existe e que o desejo das arestas
e a vertigem da autopiedade
resolveram me abandonar
serei menos completo assim

espero que a dúvida
não seja uma substituta
ainda mais faminta e cruel
mas sinto falta da sensação
de poder acabar com isso

hoje o dia nublado
não me enganou em nada
escondido e radiante me observa
cada passo indecidido
entre o carro e o elevador

de carro posso ir ao muro de pedra
a cento e cinquenta quilometros por hora
e pensar sentindo as ferragens
se comprimindo eu consegui
exultante ou duvidando não importa

ou posso voar como nos sonhos
como uma flecha envenenada de si
e de realidade
sobre as insignificantes formiguinhas
da calçada

e ironicamente rebentar numa gargalhada
do chão eu não passo

26 de agosto de 2013

caminhou porta afora
como quem odeia o agora
e o de sempre
pediu novamente ao porteiro
que guardasse seus pertences
e foi desfiando calçadas
como se o novelo
não tivesse fim

à noite sentado sobre
o reflexo da lua
na sarjeta
se julgava poeta
e poeta ficou fitando
o nada da existência
até compreender
que já era hora de voltar

chegou sem modos
inconformado com o carinho
com que foi recebido
pelo velho porteiro servil
pela esposa cotidiana
não havia malas na calçada
encontrou as coisas no lugar
de todos os dias de felicidade

tudo a mesma estúpida tranquilidade

22 de agosto de 2013

já rasguei alvoradas
com canetas bic
e não há quem publique
as marcas desastradas
que colhi das estrelas
pontiagudo destino
dos distraídos
e apaixonados
cansei de tentar
governar sonhos
agora deliro
entre os restos
da tua estada
e a estrada
para o infinito

7 de agosto de 2013



Achei moedas na calçada
E dinheiro é sempre bom
Talvez seja a sorte de andar
Olhando o chão 
Com tanta frequencia

Mas sei o que eles não sabem
sei no que pisam
o que não veem
quando caminham
resolutos e invencíveis
pelo boulevard

4 de agosto de 2013

POEMA DA PALAVRA DIFÍCIL

Buscar incutir a palavra alacre
ditosamente pespegada no acre
da miríade de estripulias candentes
no lume de seu perfil estentóreo
ávido de perniciosos lavores bacantes
pleno da efeméride no lábio violáceo

Fazê-la drapear cínica entredentes
garatuja consignada à compunção
túmida de verve em gemidos silentes
acoitado vocábulo contido no vão
da incomunicabilidade inexorável das gentes