30 de novembro de 2005

como sempre, continuo estudando o anti-clímax, acho fazer poesia desses pequenos momentos ótimo e bizarro..

Estou invisível
Me precipito meio chuva
Meio ácido
No plácido domingo
Do teu maio
Irônica mente
Incendeio tua carne
Salgada de tantos mares
E levo teu dedo
A cogitar teu segredo
Minusculamente guardado
Há muita gente ao redor
E nenhum particípio presente
Ninguém pressente
Tua carne pedindo
Quase implorando
Um pouco de ternura
E brusquidão
Você mesma
Já não está mais ali
Abandonou o corpo
Ao seu próprio delírio
E flutua no mar
deixando-se embalar
pelas ondas cálidas
que te lambem inteira
aí uma sombra matreira
te diz num tom urgente
vai um cachorro quente?
Havia um garfo transando uma faca
bem na minha frente.

Não era o vinho.

Havia um garfo
quatro pernas abertas
dentro do prato
recebendo uma faca
bem na minha frente.
Agora já é quase meia noite
e a solidão, direito de quem fica,
já não me acompanha mais
pelos caminhos do sonhar acordado
Agora não mais prendo
o meu sexo ao teu reflexo
nem aprendo lúdico
o lúbrico lúgubre que sou
Agora já existe quem aceite
contrariando o poeta
falar de si pelos cotovelos
enquanto a boca permanece selada
Agora qualquer festa é sina
qualquer recanto um corpo
onde se pode cuspir meias verdades
e retornar embebedado
como a um beco sem outra saída
a não ser entrar.
Agora, ou antes mesmo disso,
disse, eu posso estar enganado
mas também não importa mais.

12 de novembro de 2005

Tenho a cara lambuzada de sexo
Chove aqui fora
Tudo está tão úmido
E lindo
As flores agora
Têm cheiro de flor
Um cheiro quente
E morno que parece
Excitar a rua
Deixando transparecer
Pessoas que brilham
Entre gotas
Perfumes
Alegria de roupas coladas
como se todos fizessem
parte do coito universal

pra contrabalançar

Tenho medo das coisas
Que não fingi
Tenho medo dos orgasmos
que tive
das inconseqüentes
carnes de verão
que misturei
em minha própria carne
depois esqueci
secando ao sol

tenho medo do sal
mumificante do mar
mais salgado que as lágrimas
que jamais derramarei

tenho medo dos sentidos
traiçoeiros
e das impressões
digitais
cuja carne metafórica
se esvai de tela
em tela
de corpos virtuosos
em virtudes efêmeras
mas aconchegantes

tenho medo das amantes
oh meu deus
como tenho medo delas
que amam efetivamente
tudo que em mim
é tão fingido e agreste
ou tão potente e distante

tenho medo das pequenas mortes
dos fortes sonhos de divindade
pois temo o mal de deus
usando meus medos
em mim
contra mim

eu queria ser mil
mas no fundo sou nenhum
incompleto
inacabado
construção de medos
e pavores aguerridos
de cujo fingimento
se diz identidade

romanticóides

Um corpo pode ter
muitas sombras castanhas
Pode ter entranhas
E estranhas
Fendas por onde entra
E sai
Uma infinidade de coisas

Um corpo pode ser
concretamente
De bombeiros
De fuzileiros
Ou um fuzilado a mais

Pode ser uma flor desabotoando
Ou a morada de divindades
Menos recentes

Pode ter indecentes ângulos
Ou pertencer a decentes triângulos
Con sentidos

Tudo é permitido ao corpo
São
Em mentes imaginativas

Um corpo pode ter mil sombras
Acastanhadas
Não castas
Pois há sombras por dentro
e por fora

só às sombras não é permitido
O pecado da omissão
Aliás
Também é proibida
Que a sombra seja ingênua
Ou abençoada

Um corpo pode ser ateu
Ou apenas teu

Se você quiser

1 de novembro de 2005

Que se danem as Marílias que beijei
Eu não disse que seria sempre assim.
Agora a melodia é outra
e o baile impuro das horas está no meu auge
Urge que me deixe inflamar novamente
até que a canção se esgote
ou até que me volte o primeiro amor
Todo o tempo que me resta
já não presta
Vigia meus passos
destrói minhas lembranças
Há coisas perdidas
coisas achadas
que não tenho onde guardar
Tenho que ler o Drummond
de novo
E pensar na finitude dos dias
de Jorge Luis Borges
Tenho que freqüentar os bordéis
da Paris cem anos antes
de ter nascido
Tenho que encontrar
para alguém
o tempo que perdeu
Tenho que viver meus vícios
E até coisas banais
Como entender o sentido
Da vida
tenho que fazer escondido
Pois o tempo que me resta
condena desperdícios
Me sinto hoje como ontem
me absinto

Cavalgo teu volume inerte
descolorindo ritos
desinventando a dor

é verdade
a natureza morta emoldura-se rapidamente
Frio
vergonha
lucidez

Tardes sem palavras
versus idôneos:


volta-se no tempo com muita freqüência